15 February 2007

Quanto vale um Oscar

Bate papo com o Oscar. Um cara antigo, quase 100 anos, com ideias antigas. sabedoria antiga. Desenhista antigo. Esse Oscar não vai ficar velho nunca. Tem defeito: é comunista escancarado desde criancinha. Ninguem é perfeito. Sou fã de carteirinha do cara. Acompanhe o texto abaixo publicado na coluna do Dirceu.

No dia 18 de janeiro deste ano, 2007, o gênio da arquitetura brasileira, Oscar Niemeyer, abriu seu apartamento no Rio de Janeiro, em Ipanema, bairro da zona sul carioca, para uma extraordinária conversa. Menos do que uma entrevista, foi, na verdade, um generoso bate-papo. O arquiteto, de 99 anos, responsabiliza a elite nacional «ignorante e predatória» pelos graves problemas sociais do país e diz que pretende criar um instituto para oferecer formação cultural e educacional de alto nível às novas gerações. Para ele, lê-se pouco, quase nada, no Brasil. «O sujeito cresce na profissão, mas não toma conhecimento da vida».
E o que Niemeyer espera do brasileiro? «É o sujeito saber que existe gente, que existe miséria, que ele se sentiria melhor, se conhecesse melhor o mundo e tivesse prazer em ajudar os outros». Ensina, ainda, que é preciso ter «uma opinião, e ter força para defender as coisas que considera mais importantes para a caminhada sem destino do ser humano».
Desse momento privilegiado, em que se falou do Brasil, dos jovens, de educação, de história, de filosofia, de esperanças, participaram dois grandes amigos do arquiteto -- o jornalista e editor Renato Guimarães, que publicou «Conversa de amigos – correspondência entre Oscar Niemeyer e José Carlos Sussekind» (Revan, 2002), e o advogado Marcelo Cerqueira – que, aliás, revelou-se um inesgotável contador de casos.
A conversa – de três horas -- foi editada por temas para melhor aproveitamento dos leitores. E alguns dos saborosos episódios contados pelo mineiro Marcelo Cerqueira, além de observações e relatos do próprio Niemeyer sobre seus contemporâneos ou a vida, serão publicados no blog ao longo dos próximos dias, na série que se decidiu intitular «Na casa de Oscar Niemeyer». Envolvem personagens como Darcy Ribeiro, Gustavo Capanema, João Saldanha.

Habitação na periferia

«Eu acho que o problema vem à tona, quando o governo está interessado, preocupado com a miséria e o uso de drogas. Aí, o problema da habitação aparece logo: gente sem casa, explorados, os garotos pendurados nas favelas, com a polícia correndo atrás deles a noite inteira, e crescendo assim, revoltados. De modo que o grande problema é o da miséria, mais os problemas levantados pela burguesia, que é ignorante e é predatória. O problema da pobreza e da favela é social. O pessoal grã-fino vê os 'pretinhos da favela' como futuros inimigos. Mas eles são gente, são seres humanos, crescem revoltados. De modo que eu acho que isso (a baixa qualidade dos projetos arquitetônicos para programas habitacionais nas periferias) é um desprezo pela miséria.»

Lula

«Tem que mudar o regime, esse é um regime de merda. Quando o Lula queria ser o presidente do Brasil, achava-se que o lado bom dele era o operário, conhecendo a vida dos mais pobres. Mas que ele não era político, não se interessava pela esquerda, e queria melhorar o capitalismo. Mas (o capitalismo) é o grande motivo (dos problemas sociais), tem que acabar com o capitalismo, não dá nada para melhorar. De modo que, quando ele começou a questionar, eu comecei a sentir que ele era esperto, que ele estava ligado ao movimento para a América Latina. (...) Bastava ele se interessar pelo problema da América Latina, bastava isso para justificar ele ser o presidente do Brasil. O resto é o lado humano dele, de se interessar pelo povo.»

Ler, ler, ler

«O que eu acho ruim é que o homem brasileiro não tem uma formação organizada. O sujeito se transforma em especialista ou em um médico fantástico, e nunca leu um livro. Nós não estamos fazendo um trabalho, agora, de intervir nessa fase da juventude. O sujeito cresce na profissão, mas não toma conhecimento da vida. Não é o self-made man dos americanos, que basta ser o vencedor, mas é o sujeito saber que existe gente, que existe miséria, que ele se sentiria melhor, se conhecesse melhor o mundo e tivesse prazer em ajudar os outros.
«Um dia, umas estudantes vieram em grupo me visitar. Então, uma delas perguntou para a outra: '_Você já leu Eça de Queiroz?' E ela disse: '_É a filha da Raquel de Queiroz?' Não leram nada. De modo que falta leitura. Tem um colega meu, um rapazinho modesto, trabalha aqui comigo, ele queria ser arquiteto e não tinha dinheiro. Então, eu pago a universidade, mas ele é obrigado, de dois em dois meses, a ler um livro e falar sobre a obra.
«Esse rapaz aprendeu, está mais interessado em ler. O que falta é isso. Não precisa ser um intelectual, não. Mas, nos assuntos principais, tem que ter uma opinião, e ter força para defender as coisas que ele considera mais importantes para a caminhada sem destino do ser humano.»

A vida é mais importante

«Tem um rapaz, engenheiro, que vem aqui toda sexta-feira dar aula de filosofia. A gente aprendeu a primeira coisa -- que a Terra é um planetinha insignificante, longe de tudo, é um mero bichinho, a evolução da espécie e tudo. Esses princípios, de uma maneira muito vaga, o jovem tem que aprender desde a pré-escola, porque, no fundo, não somos nada ainda. A vida é mais importante, a vida pode mudar as pessoas ou não mudar nada. Colocar-se um sujeito na rua berrando contra o governo, contra o capitalismo, eu acho o trabalho dele mais importante do que o berro.
«(...) Quando o homem sentir que ele apareceu por acaso, que não tem importância, que a vida é um sopro, é um minuto, e que ele não tem que pensar que é importante, mas tem que pensar que é simples e que gosta das coisas boas... É tão mais simples, se você se considerar de passagem, que é um sopro, é um momento. O homem seria mais simples. Uma vez o 'Pasquim' falava da vida: 'Mulher do lado e seja o que Deus quiser'. E é mesmo um povo egoísta.»

Militares e patriotismo

« Esse defeito de julgar que nós temos eu acho uma merda. Quem é que pode julgar? O Lula é um guerreiro. Eu, hoje, dou muito mais importância aos militares. Outro dia, me chamaram para receber uma medalha dos bombeiros. Eu disse '_ tenho que ir lá', e fui. «Vendo eles marchando, senti o que é ser patriota. Hoje, nem falam da pátria. Por isso, os militares fazem todas as revoluções, como fez o Chávez (Hugo Chávez, presidente da Venezuela), que ajudou as pessoas, no país, a lutarem por coisas melhores. A formação militar, é raro ter; o ruim é que nós mal conseguimos levar o novo pensamento. Faltou leitura também. Mas, quando a coisa fica feia, aparece um guerreiro.»

Brizola

Brizola «(...) E o Brizola. Brizola é outro (além de Lula) que foi um guerreiro. Como ele faz falta.»

Um instituto para os jovens

«Tem que brigar, o mundo é horrível, o mundo capitalista. Nos Estados Unidos, você estuda e quer ser um vencedor, ter dinheiro. Nós queremos fazer um instituto, e a base é essa: um curso de três meses, o sujeito vai aprender, vai ler, vai discutir, vai se informar de uma maneira presencial. Vai ser uma pessoa que entende o mundo em que vive e o que é preciso fazer. Não é pessimista, mas é realista. A vida é cheia de beleza e de encanto, mas é cheia de dramas também.
«(...) A maneira de organizar, não sei se é um órgão, uma coisa junto às universidades. Para o jovem receber uma informação mais exata da vida do homem, da luta política, das idéias, que precisa defender o país, que o país é importante.»

Bush

«(No Iraque), ele está tentando encontrar uma saída, inventar qualquer coisa que emocione outra vez o povo americano. Inventa lá um drama qualquer maior.»

Hugo Chávez

«Ele disse que vem amanhã (a conversa aconteceu na véspera da visita do presidente Hugo Chávez, a Niemeyer). Eu não conheço ele, não. Uma vez, teve um encontro com ele e me chamaram, mas demorou demais, ele estava atendendo o Lula num almoço.» (Niemeyer mostra, então, a carta calorosa que recebeu do presidente Hugo Chávez).

Escolas X presídios

«Outro dia, me telefonaram: tinham falado com o governador de Brasília, se ele podia fazer uma série de delegacias pelo Brasil. Como o Darcy (Darcy Ribeiro, idealizador dos Ciep's- Centros Integrados de Educação Pública, no governo de Leonel Brizola, no Rio de Janeiro) quis fazer as escolas, iam fazer delegacias. Ele me disse: '_Não delegacia mal-feita, mas coisas bonitas. O senhor quer fazer o projeto?'.
«Fazer delegacia? Ver os sujeitos presos lá dentro de um projeto que eu desenhei? É de mal gosto. Lamentável. Ele não quer fazer escola, que é útil, que o Darcy inventou e o Brizola fez com muito entusiasmo. Imagine se eu ia fazer um presídio.»

Jango, França, Argélia

«Eu acho que, agora, é um momento de esperança. Tudo muda, vai e vem. Eu andei pela Europa logo depois da guerra, mas não fui depois do golpe, fui antes, tinha que fazer um trabalho. Eu me lembro que estava conversando com o Darcy (Ribeiro), e ele me disse: '_Estamos no poder'. Era o tempo do Jango (João Goulart). Um mês depois, ligo a televisão, estouraram o homem. Mas eu senti que havia um sentimento de solidariedade com o pessoal que ia para fora, eles procuravam ser amáveis. Lembro que, na França, o De Gaulle (Charles De Gaulle) criou logo o decreto para poder se trabalhar na França. A gente sentia também na Argélia, onde havia o (Houari) Boumedienne, que foi o chefe do Exército, gente boa, até hoje é meu amigo. Ele estava na França, era do Partido Comunista Francês, mas era argelino. Então pediu cidadania para o Partido francês, alistou-se no Partido argelino e fez a guerra contra a França. Ele e a mulher foram maltratados, foi terrível o que eles passaram. Outro dia, chegou uma senhora francesa que esteve na mesma cela que a mulher dele. Ele estava no Rio, eu o chamei. Foi um encontro emocionante.»

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