29 April 2007

Devaneios do Mino*

Estou envolvido em obra de grande fôlego, algo assim como o trabalho de Michelangelo na Capela Sistina. Explico. Pretendo definir, com precisão infinitesimal, as dez provas da progressiva e inexorável imbecilização do mundo. Estou no esboço inicial e até agora não consegui estabelecer uma hierarquia baseada na contundência das provas. Só tenho certeza quanto àquela que merece o topo da classificação. Trata-se da elevação do neoliberalismo à glória dos altares e à divinização do mercado. No princípio era o verbo, no fim é o mercado. Ou, por outra, o retorno ao caos. No mais, tateio. Não é que faltem demonstrações pitagóricas da cretinização, o problema está, justamente, em organizar a tabela de classificação. Por exemplo, onde alocar as elevadíssimas tiragens mundiais das obras de Paulo Coelho? E onde os preços em dezenas de milhões de dólares dos múltiplos de Andy Warhol? Às vezes me pergunto quanto valeriam um Caravaggio ou um Vermeer. Desta área saem, aliás, um sem-número de provas acachapantes. Penso em Pollock, mergulhava suas brochas dentro de baldes cheios de tintas de cores básicas, e saía a caminhar sobre a tela e a borrifá-la ao acaso, como padre que abençoa a igreja apinhada. Como classificar o êxtase que provoca Pollock e os críticos que o exaltam? E Rothko? E De Kooning? Vi em Madri, no Reina Sofia, uma exposição de Beuys, pranchas de madeira e troncos besuntados com azeite. Coitado do azeite. O título das obras poderia ser, permito-me chutar, O Mistério do Universo. Nem se fale dos imitadores, estes talvez mais espertos que imbecis. E que dizer do exibicionismo de um certo Robert Parker, dá notas aos vinhos do mundo e é acatado como, na Grécia Antiga, o oráculo de Delfos? A França confere-lhe a Legião de Honra. Também, pudera, o homem põe os vinhos franceses no empíreo, o mundo cai de joelhos e os vinhateiros franceses esfolam as mãos de tanto esfregá-las. Ah, sim, temos El Bulli, um restaurante da Catalunha, onde o chefe transforma comestíveis sólidos em espuma. Quem sabe faça a felicidade dos sucos gástricos. Como dá para perceber entreguei-me a tarefa ciclópica, não sei quando chegarei a uma conclusão. Devido ao esforço, e ao adiantado da idade, vou sair de férias por um bom tempo. Não tenham dúvidas, porém, um lugar muito especial vou reservar ao Bush Junior, digno imperador de um mundo imbecilizado. Aviso aos navegantes: aceitam-se conselhos e sugestões.

Mino Carta - Blog do Mino
Publicado sem autorização. Se mandar tirar, eu tiro.
*Título original: Férias